quarta-feira, 28 de agosto de 2013

EU TAMBÉM TENHO UM SONHO, MARTIN!





Há anos, numa quinta-feira – era um feriado – não lembro qual, fui pela primeira vez fazer uma doação de sangue no HEMOCE. Fui atender a um pedido de uma colega de trabalho, sua mãe precisava de várias bolsas de sangue, porque tinha um câncer muito agressivo nos pulmões, não tinha como dizer não.
Quando terminei a doação, fui ao seu encontro e ao de sua mãe na ala de quimioterapia do Hospital das Clínicas. Saí do HEMOCE e fui pela calçada e entrei no tal local. A cena era grotesca, automaticamente me encolhi, talvez pelo medo num primeiro momento, mas depois percebi que estava chocada com o que via. Bancos de madeiras apinhados de pessoas com medicação nas veias e baldes aos seus pés para que elas vomitassem, alguns tinham sangue, outros estavam vazios e outros tinham uma baba branca e um líquido amarelado – a Bile. Para os casos mais graves, algumas macas encostadas nas paredes e um zigue-zague latejante de jalecos brancos que tentavam desesperadamente manter a calma em meio aos soluços e lágrimas que vinham de pacientes ou de pessoas que as acompanhavam. Num dos bancos, uma senhora carregava garrafas e pães e distribuía aos pacientes que iam até ela pedir-lhe alimento, soube depois que a senhora – pobre apenas financeiramente – gastava parte de sua aposentadoria fazendo lanche de segunda a sexta, como forma de agradecer a Deus pela sua cura – ela também tivera câncer. Ao chegar em casa, deitei no sofá confortável da minha casa e chorei, nunca vi a morte de forma tão diversa, naquela manhã vi a morte sambar na minha cara, vi a morte no senhor que não conseguia respirar, no adolescente risonho e careca com blusa de time, vi a morte ao entrar no carro com a mãe da minha colega, vi a morte durante horas. Depois desse dia, nunca mais voltei ao HEMOCE, minhas doações de sangue, depois disso, ocorreram nos caminhões do órgão, na porta de shoppings ou em ruas movimentadas de Fortaleza- minha cidade. Sou covarde, não gosto da morte!
Aqui – no Brasil – há um DNA da corrupção entranhado em boa parte da população, estamos rodeados de políticos ineficazes e corruptos que contam com a ajuda de outras tantas pessoas – também corruptas – e lesam à pátria e à população na maior manha e cara de pau que existem. Acredito que o preceito da Medicina seja bem estar físico e mental, vivemos num país que engana o seu povo que não oferece saneamento básico, segurança eficaz e de qualidade, que ignora a educação pública, que possui leis arcaicas e ineficazes, que não consegue recuperar presos – pelo menos não em sua maioria -, vivemos num país que também samba na cara do seu povo, quando nos nega uma saúde pública de qualidade, quando a população mais abastada financeiramente é obrigada a pagar um plano de saúde de MERDA (desculpem o nome feio, mas não achei adjetivo melhor) e quando precisa do plano não há vagas e nem possibilidade de consultas, ou quando a população mais pobre sofre DIARIAMENTE, com a falta de leitos, postos de saúde e tratamento adequado.
Nós temos MÉDICOS, nós não temos estrutura médica, falta material hospitalar, faltam leitos físicos, faltam salários dignos, faltam ambulâncias, falta uma política de saúde eficaz e que nos abrace como humanos e frágeis que somos. Uma salva de palmas aos médicos brasileiros que prestam atendimento no SUS de forma humana, mas em condições desumanas, que todos os dias são obrigados a ignorar a dor de muitos para conseguir atender poucos, que fazem plantões massacrantes, que tentam sobreviver e fazer da profissão algo bonito e humano em meio ao caos, a desordem e a falta de investimentos públicos de qualidade. Mas não vaiemos os médicos que vem de fora, os culpados não são eles.
Em 28 de agosto de 1963, quando Martin Luther King fez o famoso e célebre discurso sobre racismo, ele disse que tinha UM SONHO, hoje eu também tenho um sonho.
EU TENHO UM SONHO de ver meu país respeitando o seu próprio povo, eu tenho um sonho de andar na minha cidade sem olhar para os retrovisores com medo de levar um tiro ou ser assaltada, eu tenho um sonho de ver uma EDUCAÇÃO pública de qualidade, em ver escolas públicas com professores bem remunerados, com excelente capacitação e alunos confiantes e querendo aprender, eu tenho um sonho de ter um Governador decente que olhe para o povo, eu tenho um sonho de ter um prefeito que cumpra as promessas de campanha, e, acima de tudo, eu tenho um sonho de ver meu POVO mais educado, menos xenofóbico, menos homofóbico, menos racista...menos, menos...
Sonho com um país que não precise trazer médicos, que tenha hospitais públicos de qualidade, assim como os gigantescos, grotescos e abastados estádios de futebol padrão FIFA, sonho com um GOVERNO que ame seu povo, assim como ama o dinheiro.
No fundo, no fundo Martin, nossos sonhos se parecem, queremos um MUNDO MELHOR!
...o mundo está ao contrário e ninguém reparou....
RENATA CHAVES GENTIL

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